A Autoridade Policial e as Garantias do Preso nos Tratados de Direitos Humanos


A condução do Termo Circunstanciado por qualquer órgão que não seja a polícia judiciária, presidido pelo Delegado de Polícia é um fato grave e que avilta as instituições democraticamente constituídas.

A Constituição da República é um documento que tem como escopo, primordialmente, dentre outros de mesma densidade, servir de anteparo para contenção da massas, ou seja, da vontade da maioria, ao contrário do que leigamente se propaga:

    "A maioria não pode dispor de toda a 'legalidade', ou seja, não lhe está facultado, pelo simples facto de ser maioria, tornar disponível o que é indisponível, como acontece, por ex., com direitos, liberdades e garantias e, em geral, com toda a disciplina constitucionalmente fixada (o princípio da constitucionalidade sobrepõe-se ao princípio maioritário)."[1]

Diante disso, passa a ser o documento legitimador, que seleciona a divisão de atuação dos órgãos públicos na persecução criminal, separando e delimitando a atuação de cada qual, explicitamente[2], sendo os destinatários destas verdadeiras normas jurídicas ao próprio legislador e aos operadores do Direito. Normas que se revertem como um verdadeiro manto protetor, esculpido no mármore das garantias, contra o abuso do poder punitivo do Estado, na qual é evidente que se engloba o poder persecutório.

É inadmissível que uma instituição se arvore em legitimada para determinados atos não previstos na Constituição Federal, bem como proibidos expressamente em atos normativos reguladores deste ato, em especial, a lavratura de termo circunstanciado pela polícia militar, no Estado do Rio de Janeiro.

Seria cômico se não fosse uma tragédia jurídica de flagrante inconstitucionalidade e ilegalidade, ocasionada muitas vezes pelo próprio Estado. Mas não seria novidade o Estado legitimar arbitrariedades, vide a política criminal beligerante de combate as drogas, na qual se mata mais inocentes do que efetivamente se contribui para a redução da criminalidade.

Não se trata de manifestação jurídica isolada nossa, não obstante em outros Estados sabermos da prática nefasta de condução de TC por órgãos distintos da polícia civil, mas ao menos no Estado do Rio de Janeiro, além de outros Estados, tem-se como entendimento uniformemente jurídico e de política criminal constitucional (ao menos com relação ao TC).

Por uma questão Kelseniana, passaremos a esposar os argumentos de lógica cartesiana inicialmente pelo mandamento maior, principalmente diante de uma Constituição de Democrática e Social de Direito, na qual demonstraremos que adota os poderes explícitos sobre as atribuições de todas as polícias.
A Investigação Criminal na Constituição da República

A inconstitucionalidade na condução da lavratura do TC por órgãos distintos da polícia judiciária, e utilizaremos a polícia militar como exemplo, por uma questão didática, mas se estende a qualquer outro órgão, viceja da simples leitura da Constituição da República, de clareza solar, que assim dispõe, verbis:

    "Art. 144. A segurança pública, dever do Estado, direito e responsabilidade de todos, é exercida para a preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio, através dos seguintes órgãos:
    IV - polícias civis;
    V - polícias militares e corpos de bombeiros militares.
    § 4o - às polícias civis, dirigidas por delegados de polícia de carreira, incumbem, ressalvada a competência da União, as funções de polícia judiciária e a apuração de infrações penais, exceto as militares.
    § 5º - às polícias militares cabem a polícia ostensiva e a preservação da ordem pública, aos corpos de bombeiros militares, além das atribuições definidas em lei, incumbe a execução de atividades de defesa civil." (grifo nosso)

Note-se que a Polícia Militar, uma nobre e heróica instituição, foi incumbida de exercer o policiamento ostensivo, de repressão destinada à preservação da ordem pública e da incolumidade de pessoas e de patrimônio (lembrando que estamos utilizando a polícia militar a título argumentativo).

Outrossim, a Constituição Política de 1988, autorizou que a Polícia Militar somente pudesse exercer as funções de polícia judiciária quando o crime possuir natureza militar, tão e exclusivamente.

Ainda assim, nesta mesma temática, extrai-se do texto constitucional a vontade do constituinte originário em seu art. 98, I, CRFB de que a lei ordinária conceitue o que seja infração penal de menor potencialidade ofensiva e assim sendo, estabeleça a estrutura dos juízes que comporão as juizados especiais, e como será o procedimento processual penal, incluindo-se a transação e sua estrutura recursal, ipsis literis:

    “Art. 98. A União, no Distrito Federal e nos Territórios, e os Estados criarão:
    I - juizados especiais, providos por juízes togados, ou togados e leigos, competentes para a conciliação, o julgamento e a execução de causas cíveis de menor complexidade e infrações penais de menor potencial ofensivo, mediante os procedimentos oral e sumariíssimo, permitidos, nas hipóteses previstas em lei, a transação e o julgamento de recursos por turmas de juízes de primeiro grau;” (grifo nosso)

Note-se que o art. 98, I não alterou a constituição, especializando o art. 144, IV e V, §§ 4º e 5º, mas tão somente delegou ao legislador infraconstitucional que regulamentasse um sistema de controle social despenalizador, em nada alterando as atribuições das polícias.
A legislação ordinária e seu confronto com a Constituição da República

Assim surgiu a lei 9.099/95, na qual o legislador ordinário quis atribuir maior celeridade ao procedimento justamente para efetivar-se uma justiça penal consensual pela lei 9.900/95, criando entre outros institutos, o “termo circunstanciado”, como procedimento investigatória célere, estabelecendo as regras de um procedimento tipicamente sumaríssimo para a investigação de menor potencial, que em tese, fosse também simples.

Diante disso, o art. 69 da lei 9.099/95 atribui a presidência da lavratura do termo circunstanciado à “autoridade policial”, e em nome de diversos princípios, um deles da eficiência, diversos doutrinadores, iniciaram seus “saltos triplos carpados hermenêuticos” parafraseando o eterno Ministro Ayres Brito[3], iniciando-se uma série de aberratio interpretatio, ao ponto de se defender que qualquer pessoa pudesse ser “autoridade policial”, inclusive servidor do cartório lotado na secretaria dos juizados.

Apuração preliminar de cognição sumaríssima não transforma o procedimento de investigação criminal de menor potencial ofensivo em terra de ninguém. O Termo Circunstanciado é um procedimento investigatório de crime comum[4]. Tanto o é que o art. 91-A da lei 9.099/95 veda sua aplicação aos crimes militares.

As distorções sobre as atribuições de atos exclusivos da polícia judiciária por qualquer outra polícia, a pretexto de que isso seria mais eficiente e atenderia aos ditames da lei 9.099/95 é contrária a texto expresso da constituição federal, bem como em nenhum momento esta lei autoriza o esvaziamento da própria Constituição Federal.

Este emaranhado de interpretação sistemicamente disforme “forma o que L. A. Becker chama de micro-legislação esterilizante da Constituição. E qualquer um deveria saber que por ausência de Lei em sentido estrito descabe ao ato administrativo revogar/modificar o Código de Processo Penal. Estamos no paraíso dos atos administrativos manipuladores da Constituição em nome da eficiência.”[5]

A situação se aproxima muito do que Zaffaroni – a partir de Lola Aniyar de Castro – refere como sistema penal subterrâneo: todas as agências executivas exercem algum poder punitivo à margem de qualquer legalidade ou através de marcos legais bem questionáveis, mas sempre fora do poder jurídico. A situação gera um paradoxo: o poder punitivo se comporta fomentando atuações ilícitas. Para ele, “[...] a criminalização secundária é quase um pretexto para que agências policiais exerçam um controle configurador positivo da vida social, que em nenhum momento passa pelas agências judiciais ou jurídicas [...] este poder configurados positivo é o verdadeiro poder político do sistema penal”.[6]

Ora, estamos diante de ditames constitucionais de garantias de que o cidadão possa se valer de agências jurídicas previstas na Carta Política. Não é a toa que o Delegado de Polícia, quem preside a investigação criminal seja qual nome receber o procedimento, inquérito policial (CPP), termo circunstanciado (Lei 9.099/95), boletim de ocorrência circunstanciado (Lei 8.069/90); auto de investigação de ato infracional (Lei 8.069/90), é bacharel em direito[7], concursado e aferido juridicamente sobre conhecimentos para se chegar ao cargo, que é destinado exercer o papel de verdadeiro filtro processual contra imputações infundadas[8] e deslegitimar ações penais temerárias. É essa a visão garantidora que possui o Delegado de Polícia hodierno. Em nossa visão, uma Autoridade de Garantias[9].Por-http://www.adpf.org.br


Por: www.Itapetinganahora.com.br

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